São Paulo, Segunda Feira — 26 de Março de 2024
Ilustres adeptos do jogo artesanal,
Eu vou mostrar três jogos artesanais personalizados que já estão feitos, publicados, e disponíveis para você jogar de graça no seu navegador agora mesmo, além de comentar um pouco sobre o processo por trás de cada um. Antes disso, abro com uma breve recapitulação, e um aviso.
No começo de Fevereiro, eu anunciei essa nova campanha. No começo de Março, haviam 25 apoios, totalizando uma verba de pouco mais de R$3.800,00 para produzir aproximadamente 19 jogos (mais detalhes a seguir). Hoje estamos no fim de Março, e três jogos já foram publicados! Eba, iupi!
Acho importante esclarecer que isso não é normal. Fazer três jogos, mesmo esses pequenos experimentos, demora mais do que isso; e custa muito, muito mais caro. Há três principais propósitos que sustentam essa iniciativa:
Métodos alternativos de produção. Popularizar formas de se fazer jogos que fujam não só do modelo de criação voltado ao mercado de consumo internacional, que produz obras diluídas e ultra processadas; mas também o inferno neoliberal da game jam: cerimônias sevícias que jovens ambiciosos são convencidos de que validarão e concretizarão as virtudes construídas em suas cabeças por uma indústria estrangeira que só cobiça moer e extrair o tutano dos seus ossos.
Financiar o meu estudo. Eu sou esse analfabeto funcional vivendo um sério caso de disfunção social, e ainda por cima com esse rostinho lindo. Não tenho educação superior e sequer ensino médio completo. No lugar de um autodidata buscando uma forma de viver compatível com meu cérebro de rabanete, eu fui imensamente afortunado nos últimos anos com o modesto sucesso comercial da minha obra mais popular, o IRMÃO Grande & Brasileiro — incidente que me deu a liberdade para dedicar todo o meu tempo de trabalho ao ofício que me cabe, jogos. Há no entanto, em qualquer ensejo artesanal, a importância do trabalho de estudo, experimento. Como vocês, sou refém do incentivo financeiro; e como autor autônomo, preciso de um retorno monetário para justificar qualquer uso do meu tempo de trabalho.
Vender meu peixe. Eu preciso que mais pessoas saibam que eu existo, e a comoção pública causada por iniciativas como essa, ainda que limitada, promove o meu trabalho e perpetua a sua viabilidade. Obrigado!
Aos jogos.
Índice:
Um Frankenjogo Misturado, encomendado por:
A encomenda:
“Simulador de cuidador de idoso, um jogo sobre as aventuras conjuntas de um Ninja, uma Raposa, um designer arquiteto e o deus nórdico Heimdall, sobre minha banda fictícia de folk/trollcore/hardtroll/trollwave Trolls da Montanha onde no final há a batalha final contra o atual rei troll que comprou a montanha por aproximadamente 17 Tróllares e expulsou o lider anterior.”
Esse jogo eu fiz no Decker! É como se fosse um PowerPoint do tempo das cavernas, ou um HyperCardcontemporâneo. Eu queria muito experimentar essa plataforma, e essa curta aventura veio como a oportunidade perfeita. Há várias formas mais avançadas e complexas de se usar o Decker, mas eu me limitei a ir de um cartão para o outro usando botões — assim como eu fiz nos primeiros jogos da minha vida, no PowerPoint.
Trabalhar neste formato, neste ritmo, com essas exigências; me deu a chance de dar a largada neste espetáculo com o meu jeito preferido de trabalhar — no improviso, sem planos, à moda do “fluxo de consciência”. É difícil trabalhar em jogos desta forma, sendo que são infelizmente expressões em software, limitadas ao concreto e ao lógico. Ferramentas como o Decker, o Construct, e outras que amortecem o trabalho do engenheiro para dar voz ao autor são o caminho mais conveniente para permitir essas formas esotéricas de se comunicar através das diversões eletrônicas.
Se não ficou muito claro, o protagonista é designer arquiteto. Ele só não estava trabalhando no dia.
Disponível para jogar grátis no seu navegador: https://virgula.itch.io/trolares
O outro Frankenjogo Misturado, encomendado por:
A encomenda:
“Uma coisa meio zelda 2D-like, meio goof troop de SNES, mas você acha/usa >muitos< itens, e você pega itens que não servem de nada pro jogo também. Puzzles confusos tipo de point and click que pioram por causa dos itens inúteis. Uma onça comendo um participante do No Limite.”
Esse jogo eu fiz no GB Studio! É outro que que já cheguei a dar uma olhada, mas nunca tive a oportunidade de levar um projeto até o final. Eu adorei, é bem legal brincar com e ao redor das limitações da plataforma, e ter um jogo de Game Boy no final, que pode ser compartilhado e aproveitado em forma de ROM numa sorte de emuladores e hardware dedicado, dá uma satisfação material incomparável.
A existência desse jogo é um terrível produto de minha própria negligência. Em 2019, eu e meus amigos publicamos a PANOCU inc, revistinha mensal de jornalismo surrealista sobre os acontecimentos na Looca, o bairro que fica entre a Lapa e a Mooca. Para o nosso amigo Marcão, a Panocu era a perfeita válvula de escape para o seu talento proibido, o de fabricar as mais sinistras e cabeludas mentiras — o cara é o Picasso da lorota, o maior enganador da américa latina. Com o fim da revistinha, em grande parte motivado pela minha indisponibilidade para continuar atuando como editor chefe, Marcão foi forçado a levar sua arte de volta ao Twitter. É ele nessa foto:
No Twitter, Marcão inventou histórias que você provavelmente ouviu e ainda acredita ser verdade: a história do cosplayer de Kankuro que levou um cadáver para o Anime Friends, de que Hirohiko Araki teria ilustrado uma edição japonesa de Cem Anos de Solidão e, é claro, o conto de um suposto incidente na primeira edição do programa de TV “No Limite”, desencadeado pela morte de um participante, que teria sido devorado vivo por jaguatiricas, os pequenos felinos comparáveis a gatos selvagens. A história circulou para a internet, e voltou para cá, quando a célebre artista extraordinária, tiemiau decidiu basear-se nessa história para a sua encomenda (as jaguatiricas já tendo sido transformadas em onça pelo jogo de telefone-sem-fio internet afora).
Outra coisa aconteceu nesse projeto: o prazo era de dois dias, mas eu fiz em quatro. Me empolguei brincando no GB Studio e acabei apostando num escopo muito maior do que o tempo hábil para realizá-lo. Por sorte, nosso querido DouglasDougladoo havia apoiado a campanha no nível de recompensa Preto e Branco, e declarou em seu questionário que não tinha nenhuma encomenda a fazer, e que preferia que eu usasse o tempo de seu jogo para qualquer outro que precisasse de mais um pouco — e aí eu usei aqui! Obrigado, Douglas!
Esse jogo é protagonizado por Odo, Detetive; que encontra Betinha Morton, Paula Fortran, e um destino terrível. Se você acompanhava a Panocu, esses nomes devem ser familiares, são todas personagens da Looca, anos antes da Panocu Ano Um!
Você pode ler todas as edições da Panocu Ano Um de graça aqui: https://virgula.itch.io/panocu
Disponível para jogar grátis no seu navegador: https://virgula.itch.io/nolimite
O primeiro Jogo Artesanal Personalizado Deluxe, encomendado por André Asai.
A encomenda:
“Uma releitura de um jogo super velho para Atari chamado Dragonfire. Você pode aproveitar só as mecânicas e colocar a roupagem que quiser, mas em resumo, as mecânicas eram essas:
Você começava em uma ponte, numa visão sidescroller, e tinha de atravessar a ponte e chegar no castelo enquanto se desviava das bolas de fogo do dragão.
Dentro do castelo, virava uma visão topdown, e você tinha que rapelar os tesouros do castelo enquanto fugia do dragão que te perseguia e cuspia bolas de fogo em vc.
Você escapava por uma porta e ia roubar outro castelo que tinha outro dragão, só que os obstáculos (dragão e bolas de fogo ficavam mais rápidos e complexos)
Não precisa ter a mudança de visão para sidescroller para topdown, mas curtia a ideia de rapelar coisas enquanto fugia de um monstro e as fases iam ficando mais caóticas.
Como o objetivo seria mostrar em lugares públicos, se tivesse suporte a gamepad ia ser perfeito!”
Eu não sou do tipo que faz jogos de ação. Eu não gosto de jogos difíceis, e não é o tipo de jogo que eu faço, mas esse é um jogo de ação bem difícil, e eu gostei muito do resultado, me vi várias vezes parando de trabalhar nele pra descansar, e decidindo que jogar mais uminha servia de descanso. Eu sei que o jogo é bem difícil e pode ser frustrante, mas não desista! Você pode dominá-lo!
Neste jogo você é o Irmão Karras Mundongo, um ratinho aventureiro que a serviço de um misterioso convento em algum lugar da península ibérica, deve resgatar os queijos da Catedral Maldita.
Se você me perguntar como eu cheguei nessa narrativa, ou na decisão estética de satirizar os mistérios católicos… eu não sei, mas claramente está se formando um padrão de ratos e animais antropomórficos no geral nesta leva de jogos — todos têm a tag “furry” no itch, o que eu descobri ser uma ferramenta publicitária eficaz.
Eu ripei algumas músicas do DVD oficial do Tcheco, porque achei que combinava muito com o ambiente da catedral; e as falas do irmão Karras Mundongo são referências deslavadas às do padre João da trilogia FAITH. Espero que as pessoas maravilhosas por trás destas obras não se ofendam com a minha sem-vergonhice.
Eu te desafio a chegar até o nível XXIV. É a conclusão “narrativa” no design das fases, e tem uma surpresinha para lhe parabenizar.
O Asai encomendou dois jogos, esse é só o primeiro! O segundo é um pedido bem mais em aberto, então prepare-se: vai ser ainda melhor, ou ainda pior — um dos dois.
Disponível para jogar grátis no seu navegador: https://virgula.itch.io/queijorcista
Algumas pessoas apoiadoras ainda não responderam aos seus questionários declarando o nome que desejam ter nos créditos, e o jogo que desejam encomendar.
Eu fiquei sabendo que o Catarse simplesmente não mandou email algum pra várias pessoas, e isso aí foi um vacilo da parte dos caras mesmo, não sei o que tão fazendo com os meus 13%, mandando email é que não é.
Mesmo que você não tenha recebido o email com o seu questionário, você ainda pode encontrá-lo consultando as suas campanhas apoiadas no catarse e, em última instância, falando direto comigo pela dm no twitter ou por email. Mas eu preferiria muito que você respondesse o questionário, mesmo que já tenha vindo falar comigo, para ajudar na minha organização.
Obrigado a todos pelo imenso apoio, encomendas maravilhosas, e a coragem de acreditar em um futuro brilhante.
Cordialmente,
Virgula Leal
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Bom demais, extremamente bem escrito e gostoso de ler. Que seu trabalho continue alcançando mais pessoas e você continue produzindo! Abraço!
obrigado cuca
Que leitura boa! Adorei saber um pouco mais dos jogos artesanais e do seu processo. É sempre renovador acompanhar seu trabalho, Virgula! ✨
Abraços \o\
obrigado voa